Na sala silenciosa, onde se ouve apenas o mugido das vacas no
quintal, crianças e jovens aprendem a língua Oro Nao, a mais falada
pelas etnias Wajuru, Canoé, Jabuti, Macurap, Oro Nao, Oro Waran e
Tupari.
Famílias desses povos, ao longo do rio Mamoré, vivem no Posto Indígena Deolinda, no município de Guajará-Mirim.
Às 10h40 do segundo dia do atendimento do barco hospital Walter
Bártolo, na barranca direita do rio Mamoré, a professora Rosinete Oro
Nao abriu a porta para assistirmos um pouco da aula, com a presença de
quatro alunos das etnias Canoé, Jabuti, Macurap e Oro Nao.
Na lousa, ela escreveu frases e indagava a cada aluno o significado
de cada uma. Xi yao xita panika tomitaka, ela escreve: “Vamos ler e
completar” é a tradução.
Pe’home? = Me espera
Pan ma? = Você caiu?
Xir a o xita? = Vamos estudar?
Xani’ tamana ha xina? = O Sol está muito quente.
Kaxi ma? = Você está doente?
Pe’ inai = Estou com fome
Pan ma? = Você caiu?
Xir a o xita? = Vamos estudar?
Xani’ tamana ha xina? = O Sol está muito quente.
Kaxi ma? = Você está doente?
Pe’ inai = Estou com fome
Nota-se a paciência de ambos os lados. As crianças pensam pelo menos
30 segundos antes de responder às perguntas, e a professora dá um
intervalo entre uma e outra explicação, correção, ou comentário a
respeito do assunto originado pelas frases.
“As crianças são a esperança da preservação”, disse a professora Rosinete, nascida na aldeia Tanajura.
Para ela, a escola pode ser fator de incentivo à revitalização de línguas indígenas.
Quando chegar a mediação tecnológica à região, com aulas por
satélite, provavelmente a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) terá
mais a ganhar com o aprendizado indígena.
A Escola de Ensino Fundamental Pedro Azzi, no Posto Indígena
Deolinda, é uma das que conservam a língua materna. Dezesseis alunos do
6º e 7º anos aprendem o oro nao no período da manhã; e do 8º ao 9º anos à
tarde.
O método que une a escrita à oralidade assemelha-se ao das escolas
dos anos 1950 e 1960, cujas cartilhas Sodré e Caminho Suave, as que mais
venderam no País, ensinavam a formação de frases, valorizando cada
letra do alfabeto.
O governador Confúcio Moura entregará neste ano mais cinco escolas em
terra indígena, com professores formados pelo Projeto Açaí, da Seduc.
Crianças e jovens de Deolinda também falam o português. À tarde, o
professor Erivaldo Souza Santos, formado em letras em Guajará-Mirim, dá
aulas de geografia, história, português e matemática. No dia da visita, o
encontramos explicando porcentagem.
Erivaldo lembra que a inclusão de uma língua indígena no currículo
escolar lhe atribui o status de “língua plena”. “E aqui, ela ocupa o
mesmo espaço da língua portuguesa, um direito previsto pela Constituição
Brasileira”, observa.
O histórico da educação escolar indígena no Brasil revela que, de um
modo geral, a escola sempre teve por objetivo integrar populações
indígenas à sociedade envolvente. No entanto, línguas indígenas eram
vistas como grande obstáculo para que isso pudesse acontecer, e assim,
as escolas ensinavam alunos indígenas a falar e a ler e escrever em
português.
Somente há pouco tempo, começou-se a utilizar as línguas indígenas na
alfabetização, ao se perceber as dificuldades de alfabetizar alunos
numa língua que não dominavam.
Mesmo nesses casos, assim que os alunos aprendiam a ler e a escrever,
a língua indígena deixava de ser ensinada em sala de aula, já que a
aquisição da língua portuguesa continuava a ser meta maior.
Fotos: Alex Leite