Nilton Misaque, Cidadão de Maldonado, no Peru, tem nome bíblico, e é destemido no falar e no agir. Possui uma espingarda de ar comprimido no Calibre 5.5mm para tiros de precisão e potência, seu xodó, sua proteção.
Ocorre
que me contaram que Misaque desdenha de qualquer um que lhe dificulte o
sono, posto que o tem leve e, tantas e tantas vezes, por conta do
trabalho, tem que levantar para averiguações nas noites altas e nas
madrugadas transcorrentes.
Seu
andar despojado lembra o do artista principal do filme My Name Is
Pecus, exibido num dos cinemas de Guajará, na década de 60. Vai daí
que...
Não
contava ele, todavia, com o deboche do galo Galileu, grande, branco,
olhar astuto, pernas enormes, cabeça no rumo do vermelho, esporões
desafiadores, pescoço amarronzado. Parecia até que esse galiforme se
achava o máximo, via-se como se fosse um touro nelore e ia cantar de
galo justamente na janela de Misaque, que foi se apoquentando com esse
insultuoso desvario. Um verdadeiro escárnio!
Como
era do tipo humano que não dá um boi para não entrar numa briga e
oferece mais de 100 para sair de um conflito, eis que Misaque tentou uma
solução intermediária e fez um cercado no galinheiro e decidiu que
nenhum daqueles representantes dos galináceos poderia sair do espaço
reservado para esses temerários bípedes de penas.
Ocorre,
que reiteradamente a porta do galinheiro, por decuido, era deixada
aberta e, insolentemente, o Galileu ia cantar na janela do senhor
proprietário, infernizando a vida do profissional que dormia pouco
quando estava de plantão. E, incomodado, um ódio mortal passou a ser
ensaiado pelo dono da espingarda de pressão. Avançar na jugular do
Galileu era uma palavra de ordem!
Comprou
roupa de cangaceiro, inclusive aquele chapéu específico, botas de couro
cru, um óculos bem escuro, pulseira de ouro duvidoso e um relógio de
algibeira. Munição para ar comprimido tinha de montão. –“Ai, se te
pego”...
Até
que o auxiliar responsável pelo galinheiro, distraído, abriu a guarda e
a porta do espaço. O sol ainda estava espreguiçando-se no fim da
madrugada, quando Galileu foi cantar justamente do lado aonde Misaque
dormia seu sono mais reparador. Cinco e trinta da manhã o galo atrevido,
acordado pela forte lâmpada-com foto célula, vingou-se do responsável
que o instalou no poste alto, razão por tê-lo feito madrugar e cantou, e
cantou–... ora desafinando, ora como um tenor mal ensaiado, ora como um
barítono medíocre, o que soou como uma agressão, uma invasão à
geografia e aos ouvidos alheios.
A
carabina foi buscada, osculada e municiada. O Galileu, intuindo que
seria sacrificado, escafedeu-se e, em desabalada carreira, rumou em
direção ao mato. Com ele valia a recomendação: é mato ou morro!
Escondeu-se no mato! E ali ficou até tarde! Sabia que o ódio pressentido
acabaria com o tempo que deu a si mesmo.
Escapou fedendo, naquele dia! Melhor escapar fedendo do que ser morto cheiroso...
Galileu,
esquecendo-se do risco do dia anterior, eis que, na parte vespertina
ousou cantar bem próximo do quarto de Misaque, precisamente às 14h04m.
Assustado
Misaque, atordoado com aquele som estridente, veste-se com a
parafernália comprada, pega a arma e parte no rumo da porta e mira na
pupila do olho esquerdo do inimigo. Um estampido é ouvido. A cena é
trágica e cômica, pois Galileu, que tinha sido ator e atleta na
juventude, dá um salto carpado e, esvaindo-se em sangue, pedindo perdão
por seus excessos, expira, endurece as pernas e fica inerte, às 14H06m.
Um
sorriso de soslaio é observado! Misaque ficou vingado e aquela família
desfalcada do galo varão, um dos poucos que, sem valer-se do 36 horas,
fazia a alegria própria e de quase todas as galinhas do pedaço...
Ao
cair da noite, desmoralizado, foi servido como canja de galinha,
enquanto que, com o olhar perdido no espaço o autor do delito nem
demonstrou remorso algum, pois afastou um inimigo, de baixo coturno; nem
por isso deixou de ter o peito tufado de orgulho por alimentar a
família...
O Galileu saiu da vida e, temporariamente, ficou na história...
Misaque não sabe, porém outro galo está sendo treinado para lhe infernizar o sono...* PAULO CORDEIRO SALDANHA: Nasceu em 1946, em Guajará–Mirim, Rondônia. É Advogado e hoteleiro. Foi Presidente de Bancos Estaduais de Rondônia e Roraima, Diretor do Banco da Amazônia e Diretor–Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região. Cronista e Romancista. É Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.