* Paulo Saldanha
O rio comanda a vida - Leandro Tocantins já disse -, e nesta
Amazônia abençoada é verdade cristalina, insofismável e irretorquível.
O Brasil é bilionário na oferta da rede de hidrovias, mas
precisaria de eclusas e mais barragens para favorecer a integração nos
transportes por via da componente fluvial.
Sonho até com os sonhos de Luís de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres, de Balbino Antunes Maciel e de meu pai, Paulo Saldanha
Sobrinho, com a ligação das bacias do Prata com a Amazônica.
Eu sei que há estudos atualizados para que essa ligação
ocorra através do rio Jauru (afluente do Paraguai) e do Alegre (afluente do
Guaporé).
Para tanto, os países sulamericanos deveriam investir na
utilização de terminais ferroviários interligados aos hidroviários, visando a
reduzir custos com os fretes, ampliando a competitividade e assegurando a
conquista de novas fatias de negócios multilaterais. Notadamente agora, que
tanto se fala na atração do mercado asiático através da integração com o
Pacífico. Antes, os países irmãos viam como única alternativa a saída pelo
oceano Atlântico. A EFMM cumpriu esse papel, aqui no oeste sulamericano, entre
1912 e 1972.
As perspectivas contemporâneas mudam (e como mudaram!) o
mundo econômico como viés da nova ciência, a GEOPOLÍTICA.
Mas, fatores econômicos à parte, desejo expressar a minha
gratidão ao rio como elo entre os povos, ligação entre os homens, vilas, cidades
e distritos, favorecendo o comércio, o agronegócio, etc., na incessante busca
de afirmação humana, social e empresarial, favorecendo o ir e vir de cidadãos.
Esse rio por onde sobem e descem os batelões, barcos e
balsas, apinhados de gente com sonhos e tantas expectativas em pontos
geográficos nos quais se movem através de canoas e ubás, é o caminho mais fácil
para o abraço e para as cartas que saem com notícias, “anexando” esperança e
tantas saudades; é o instrumento, é o meio de transporte que leva as essências
para as indústrias farmacêuticas e traz as mercadorias que alimentam, o
agasalho que aquece, o tecido e as roupas que vestem, os remédios que salvam e,
através da tripulação e dos passageiros, a palavra que afirma a nossa cidadania
como brasileiros orgulhosos em que nos transformamos, apesar de tudo...
É o mesmo rio que desce silencioso, sereno e voluntarioso,
até que a primeira corredeira ou a cachoeira enorme transformem as águas
plácidas em bravias, desafiadoras, soberbas, aniquiladoras, cruéis e
matadoras...
Dele se valeram os bandeirantes e os pioneiros para que o
território pátrio se engrandecesse e se afirmasse com essa geografia
continental que dá ao Brasil a condição de quinto maior país do planeta.
Nele, às suas margens plácidas ou não, as garças, biguás, os
mergulhões, os socós, tucanos, ciganas e jaburus, entre outros, desfilam as
suas plumagens, enquanto que, nos barrancos, pacas, cotias, capivaras, lontras
e ariranhas se movimentam saciando suas sedes e fazendo um positivo “trottoir”
buscando comida, ainda que se expondo à sanha e ferocidade das sucuris, onças e
jacarés.
Esse rio, de inspiração e afirmação, na seca expõe as alvas
praias, onde as tartarugas, capitaris e tracajás dão vivas às novas vidas após
as trovoadas de agosto e setembro, constituindo essas areias o mesmo elemento
físico que faz o encalhe dos barcos, batelões e balsas cujo timoneiro descuidou
do seu leito, abandonou o canal e não imaginou que um baixio prenderia o
equipamento por horas a fio, e cuja tripulação, gritando eufórica, auxilia o
empurrador na hora do desencalhe.
Rios de águas negras ou barrentas correm indiferentes aos
conflitos humanos que subsistem à sua volta, e serão sempre instrumentos
abençoados, seja porque guardam em suas entranhas os peixes que saciam a fome,
como por armazenar, até serem descobertos, os minerais que enriquecem o Homem -
ainda que num tipo de relação em que o rico jamais fica pobre, porém o
garimpeiro, às vezes tão carente com o seu trabalho arriscado e desumano,
jamais fica rico...
Rio de todos os dias, meses e anos e não só “de janeiro”,
equipamento legendário natural de progresso, integração e desenvolvimento. É o
mesmo rio que durante toda uma vida passa calmo, mourejando ou não, nas vidas
de muitos de nós. Assim são o Mamoré, o Madeira e o Guaporé. Estes sim, tão
místicos e tão pródigos, são insubstituíveis e imprescindíveis... graças a
Deus!
* PAULO CORDEIRO SALDANHA: Nasceu em 1946, em Guajará–Mirim, Rondônia. É Advogado e hoteleiro. Foi Presidente de Bancos Estaduais de Rondônia e Roraima, Diretor do Banco da Amazônia e Diretor–Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região. Cronista e Romancista. É Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.