O PLC 080/2020 prevê a exclusão de 171 mil hectares da Reserva
Extrativista Jaci-Paraná, reduzindo-a em quase 90%, e a retirada de 55 mil
hectares do Parque Estadual de Guajará-Mirim.
“A decisão da Assembleia Legislativa reconhece e premia a
ação violenta dos grileiros, ao mesmo tempo em que legitima a expulsão de
indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi”
Em carta entregue ao governador no dia 6 de maio, as
organizações afirmam que “a decisão da Assembleia Legislativa reconhece e
premia a ação violenta dos grileiros, ao mesmo tempo em que legitima a expulsão
de indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi.
Essa medida contribuiria para enriquecer alguns poucos poderosos, deixando para
a população a conta do prejuízo ambiental”.
A carta é assinada por Organização dos Seringueiros de
Rondônia (OSR), Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Greenpeace, SOS
Amazônia, WWF-Brasil e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
As organizações alertaram o governador do estado, no
documento, que a aprovação do projeto e a consequente apropriação ilegal de
terras públicas teria impactos “diretos e irreversíveis” nas Terras Indígenas
Uru-Eu-Wau-Wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e em povos
em isolamento voluntário na região.
“Esses povos, que nunca foram consultados sobre as
alterações nas unidades de conservação, têm agora ameaçadas sua integridade
física, cultural e territorial, ficando expostos à expulsão, à doença e à
morte”, afirmam as organizações.
Leia a carta abaixo, na íntegra:
Porto Velho, 6 de maio de 2021
Senhor Marcos Rocha
Governador do Estado de Rondônia
Palácio Rio Madeira – Av. Farquar, 2986 – Bairro Pedrinhas
CEP 76.801-470 – Porto Velho, RO
No momento em que a população de Rondônia tenta sobreviver à
pandemia de covid-19, que já provocou a morte de mais de 5 mil pessoas no
Estado, a Assembleia Legislativa aproveita para premiar grileiros e
desmatadores ilegais com mais de 220 mil hectares de terras públicas. Os
deputados estaduais fizeram isso com base no projeto de lei complementar
080/2020, enviada pelo senhor àquela casa, propondo o corte de imensas áreas da
Reserva Extrativista de Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim.
O projeto teve discussão e aprovação relâmpagos, numa única
noite. Ofício do governo do estado, autor do projeto, solicitando sua retirada
de pauta, foi ignorado. Os parlamentares passaram mais tempo em reuniões
secretas do que em sessão pública, em uma demonstração inaceitável de falta de
transparência e de déficit democrático. O resultado, ao final da sessão, foi a
quase extinção da resex e a desfiguração do parque. As informações exatas sobre
os novos limites das unidades de conservação, alteradas durante a votação, nunca
foram conhecidas. Os parlamentares aprovaram as mudanças sem nenhuma base
científica ou técnica. As alterações foram feitas sem nenhuma discussão com a
sociedade. O texto aprovado nunca foi divulgado pela Assembleia Legislativa.
De acordo com o decidido pela Assembleia, a reserva
extrativista de Jaci-Paraná ficaria praticamente extinta. Dos 193 mil hectares
existentes, sobrariam apenas 22 mil, pouco mais de 10% da área original. O
parque estadual de Guajará-Mirim perderia 55 mil hectares, num corte que atinge
inclusive a sede da unidade de conservação, que ficaria de fora da área
preservada. Os números ainda são estimados.
A Assembleia propõe que as terras retiradas das unidades de
conservação sejam dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a
floresta com base na violência, como o senhor mesmo deve ter acompanhado desde
seu posto de coronel na Polícia Militar. Comunidades tradicionais foram
expulsas a força, para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado.
É conhecido, por exemplo, o testemunho do Presidente da
Associação de Seringueiros Bentivi, Francisco Lopes da Silva, transcrito em
nota técnica do Grupo de Trabalho Amazônico de 2014. Chico enviou carta pedindo
ajuda à Sedam. Ele solicitava providências contra a expulsão violenta de famílias
de moradores da Reserva Extrativista, como neste trecho: “Os grileiros já
queimaram quatro casas dos seringueiros nas margens do rio Jaci e estão
ameaçando queimar o restante das casas. Pude presenciar o seringueiro José
Valério Parente com todos os seus pertences em uma praia”. Essa foi a dinâmica
de ocupação da área pública para a criação de gado, com a expulsão das
comunidades tradicionais.
A nota técnica ainda informa: “O processo de grilagem de
terras da Resex Jaci-Paraná obedece à tática de ‘crime organizado’ que está
destruindo várias unidades de conservação do Estado. A indústria madeireira
instalada em Rondônia, em número muito maior que o de florestas disponíveis,
sobrevive em boa proporção de madeiras roubadas de unidades de conservação e terras
indígenas, com toda sorte de fraudes e conivências para esquentar madeiras. No
caso da Resex Jaci-Paraná, além de madeireiras licenciadas vizinhas à Resex, os
madeireiros foram saqueando madeiras e no seu rastro deu-se a invasão por
grileiros. A posse das terras, via de regra, se dá com a invasão em grande
número de pessoas que destroem a floresta, vendem as madeiras, semeiam o capim
e ficam de fora, incendiando anualmente a área. De um a dois anos, é possível
transformar uma vasta região de floresta em fazendas pecuárias, e eles apostam
na lógica do fato consumado, segundo o qual destruir floresta é aceito como
‘benfeitoria’. É difícil responsabilizar os autores, uma vez que os grandes em
geral agem com prepostos e mesmo os pequenos nos primeiros anos entram
esporadicamente na reserva e em geral impera a ‘lei do silêncio’, sendo
corrente o jargão mafioso “quem dedurar morre’”. Portanto, senhor governador,
não se trata de pequenos agricultores, mas do crime organizado, que impõe sua
própria lei.
Os grandes responsáveis pelas invasões, como o senhor sabe,
são gente poderosa e influente, que usa posseiros como laranjas. Gente que
contrata jagunços armados para expulsar a força famílias tradicionais que tiram
seu sustento da floresta em pé.
Agora, a decisão da Assembleia Legislativa reconhece e
premia a ação violenta dos grileiros, ao mesmo tempo em que legitima a expulsão
de indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi.
Essa medida contribuiria para enriquecer alguns poucos poderosos, deixando para
a população a conta do prejuízo ambiental. Condenaria à miséria na periferia
das cidades centenas de famílias impedidas de continuar vivendo de maneira
sustentável na floresta – que agora cai oficialmente em nome do rebanho de gado.
Essa apropriação ilegal de terras públicas teria impactos
diretos e irreversíveis nas terras indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé
Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na
região. Esses povos, que nunca foram consultados sobre as alterações nas
unidades de conservação, têm agora ameaçadas sua integridade física, cultural e
territorial, ficando expostos à expulsão, à doença e à morte.
A drástica redução das unidades de conservação é o
coroamento de ataques sistemáticos à lei e à ordem, numa história de mais de 20
anos de agressões. Contraria a Constituição Federal e diversas decisões
judiciais e dos ministérios públicos Estadual e Federal. Descumpre a legislação
vigente e acordos internacionais assinados pelo Brasil.
A decisão da Assembleia Legislativa coloca, ainda, o estado
de Rondônia na condição de pária perante um mundo que busca por mais florestas,
que precisa de mais natureza, para garantir o próprio futuro da humanidade.
Implicaria, ainda, em potencial barreira econômica para o
Estado de Rondônia, que corre o sério risco de ver se fecharem mercados
importantes para as commodities aqui produzidas, em função da legalização da
grilagem de florestas públicas e sua conversão em pastagens.
Entendemos que o governador não pretenda se aliar a essa
imagem nem compactuar com o procedimento antidemocrático levado a cabo pela
Assembleia.
Não lhe faltam argumentos para vetar integralmente o texto
aprovado na Assembleia Legislativa e evitar, assim, o isolamento do Estado de
Rondônia mesmo entre os governadores da Amazônia.
Depois de vetar integralmente o projeto de lei, o governo
deve chamar um amplo debate com a sociedade civil organizada, de maneira que se
encontre uma solução com base na ciência, na Constituição, nas leis e nas
decisões judiciais. E, para colaborar com esse objetivo, nos colocamos desde já
à disposição.
O senhor tem agora a oportunidade de escolher como quer
entrar para a história. Vetando o projeto, enviará ao Brasil e ao mundo a
mensagem de alguém que cuida das pessoas e da natureza. Se sancionar, ficará
aliado à ilegalidade, à devastação, à violência, à grilagem e aos desmatamentos
que destroem a Amazônia. Além disso, corre o risco de ser desautorizado pela
Justiça, que tem, repetidamente, barrado agressões à floresta e à população.
De nossa parte, não permitiremos a consolidação dessas
ameaças. Vamos denunciá-las e lutar de todas as formas, inclusive fora do país
se necessário, para defender nossas populações, nossas florestas, nosso clima e
nossa Democracia.
Assinam:
Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR)
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Greenpeace
SOS Amazônia
WWF-Brasil
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
Fonte: CIMI
Você encontra modelos dos tamanhos P ao EXG. Confira nossas redes sociais:
Facebook: M&M Modas / Instagram: mmmodasgm\