SOS TERRA INDÍGENA IGARAPÉ LAGE - Nova Mamoré (RO)

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O Mamoré
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Hoje, 19 de abril, dia dos Povos Indígenas, queremos amplificar a voz do povo Wari´, rouco por tanto “gritar”, denunciando a invasão de sua terra, e clamando por providências e proteção.

A pressão da colonização sobre as Unidades de Conservação e as terras Indígenas, rumo ao oeste do Estado, alcançou as terras do Povo Wari e de modo particular a TI Lage.

Enquanto o Brasil recebe elogios da Comunidade Internacional pela redução do desmatamento na Amazônia em 2023, no município de Nova Mamoré, em Rondônia, ocorre o maior esbulho de terras indígenas do Estado. A partir do final de 2021, uma organização criminosa está desafiando as autoridades e as leis do país, invadindo a Terra Indígena Igarapé Lage, terra ancestral do Povo Wari, grilando e loteando a terra indígena, e ainda roubando quantidades volumosas de madeira. As imagens satélites comprovam a progressão da invasão, entretanto não traduzem o clima de medo e indignação dos indígenas. Pois não se trata apenas de um esbulho com estrago ambiental, que em 2023 foi avaliado em milhões de reais, mas ainda da destruição de lugares sagrados seculares como aldeias, castanhais e igarapés, entre outros, que não tem preço.

Imagem satélite de 09/2022                                                 Imagem satélite de 12/2022

           

Omissão do Poder Público

As escassas viagens de fiscalização, e até mesmo as duas Operações policiais com o reforço das forças Armadas, não chegam a intimidar as centenas de invasores que saem ou se escondem antes da chegada das viaturas, devido o vazamento de informação.

Os apelos constantes dos indígenas junto ao Poder Público, bem como as petições da antropóloga A. Vilaça junto ao MPF-RO, em 06/ 2022, contrastam com a passividade, a lentidão e a ineficiência dos órgãos responsáveis co

mo FUNAI, Polícia Federal e Ministério Público Federal, o que vem dando um péssimo recado e alimenta novas invasões.

Terra indígena Igarapé Lage, uma ilha do território Wari.

O grande povo Wari (ou Oro Wari), o mais populoso do Estado, é formado por 08 etnias, somando em torno de 5.000 indígenas, quase todos falantes da língua materna. Os Wari possuíam um imenso território, onde hoje estão os municípios de Guajará-Mirim e Nova


Mamoré. Através de Projetos de colonização, da grilagem liberada e da criação de Unidades de Conservação, o Estado tomou a maior parte desse território.  restou para os Wari uma pequena porção descontínua, demarcada em ilhas a golpes de régua. Uma delas é a terra indígena Igarapé Lage de 107.321 hectares, sob a administração da Coordenação Regional da FUNAI de Guajará-Mirim, que foi homologada e Registrada no SPU em 1981. A população da TI Lage conta com mais de 900 indígenas, distribuídos em 14 aldeias.

Os massacres que os Wari sofreram nas décadas de 30 a 60 deixaram traumatismos, que em caso de conflito, ressurgem com força. A maioria dos sobreviventes carregam chumbos no corpo, e além das cicatrizes visíveis na pele, existe cicatrizes invisíveis na sua mente. A ganância de ontem pela seringa não é diferente da ganância de hoje, responsável pelos crimes ambientais e de esbulho de terras públicas.

De 02 anos para cá, existe uma outra invasão, silenciosa e “licita”, pelos agrotóxicos pulverizados nas roças de soja que circundam as terras indígenas, poluindo o ar, a terra e as águas- igarapés e lençóis freáticos.

 

Ainda hoje, os indígenas são vítimas de assassinatos por causa de seu modo de vida que não combina com o agronegócio nem com a exploração ilícita de riquezas de sua terra. Assim, o professor Ari Uru Eu Wau Wau, “guardião da Floresta” assassinado  04 anos atrás. Após muita pressão mediática, o assassino foi preso e, em 15 de abril, no recente julgamento a júri popular, o mesmo foi condenado a 18 anos de prisão. O mandante do crime ainda não foi identificado. 


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A invasão da TI Lage

A invasão da TI Lage que iniciou no final de 2021 no Distrito de Nova Dimensão, no município de Nova Mamoré, vem se arrastando até hoje.

O acesso à TI Lage, a partir da Sede do Distrito de Nova Dimensão, na BR 421, se pela Linha 28 C.

Em maio e junho de 2022, entre 200 e 400 colonos armados entravam e saiam livremente. Uma imagem satélite de setembro de 2022 evidencia a existência de um corredor de desmatamento que atravessa a TI Lage de ponta a ponta, com 20 km de comprimento e, aproximadamente, 200 metros de largura, o que corresponde a 400 hectares. Uma imagem satélite do final de 2022 evidencia a abertura de ramais entre as Linhas 28 e 29. As incursões da FUNAI e da Polícia Federal, com sobrevoos a partir de 2022, e as duas Operações policiais com reforço das Forças Armadas de 23/08/2023 e 21/03/2024, não chegaram a intimidar os invasores. Conforme várias testemunhas, alguns dias depois das Operações, o barulho das máquinas voltou a ser ouvido. Entre as 02 Operações, o desmatamento criminoso passou de 670 para 840 hectares.


 

          

 

Na década anterior, houve tentativas de invasão da T.I. Lage, entretanto, as mesmas foram cortadas pela raiz pelos órgãos de fiscalização. No final de 2015, uma tentativa mais ousada tinha levado o MPF a solicitar a intervenção do Exército que, em poucos dias, realizou de forma pacífica a desintrusão.

Indignação e revolta dos indígenas diante do esbulho de sua terra

No final do ano de 2022, indígenas da Linha 26 encontraram um castanhal derrubado. A castanha do Brasil, além, de ser uma fonte alimentícia muito rica, é uma fonte de renda importante. E antes de tudo, o castanhal é um lugar sagrado. A coleta da castanha que se estende por semanas, é o único momento do ano onde as famílias convivem num ritmo tradicional, longe dos celulares e das novelas. Na mesma época, invasores levaram cachos de bananas, abóboras e melancias para Nova Dimensão. A progressão dos pastos está preocupando os Wari que desconfiam que, depois da desintrusão, a mata não poderá se recuperar. No final de 2023, famílias Wari que se dirigiam para um castanhal, tiveram que pedir licença para os invasores ao passarem por suas benfeitorias!

Os indígenas comparam os invasores a saúvas (formigas cortadeiras que, num instante, acabam com as folhas de uma planta). Um “furacão desumano” devastou a mata, as capoeiras de aldeias tradicionais, igarapés, castanhais, barreiros e “pés de fruta” que alimentam os animais, entre outros.

Os invasores ignorantes não faltam. Um deles que fez sua benfeitoria ao lado de um igarapé, não autoriza os Wari da Linha 26 a pescar. Durante a recente “Operação Wari”, os policiais que entraram pela Linha 26 retornaram sem acharem a benfeitoria!

Poucos dias após a recente Operação Wari, homens Wari de uma aldeia do sul da TI Lage foram caçar próximo à aldeia KOYAI que é uma aldeia tradicional sagrada. Se depararam com as roças de 03 invasores que disseram que vinham de Espigão do Oeste e perguntaram se os Wari tinham seus “guerreiros” como o povo Cinta-Larga. Pois, se a maioria dos invasores são do município de Nova Mamoré, a “fofoca” chegou até a BR 364 e atraiu invasores de municípios distantes.


Aldeia tradicional Koyai onde, em 1969, foi contatado o último grupo Wari. Foto: 08/2005


 

Ameaças e intimidação dos Wari

Os Wari das aldeias 24 e 26, próximas a Nova Dimensão, vivem com medo e pedem proteção. Não saem mais para caçar, pescar e não dormem direito. Contam que, vez ou outra, um estranho aparece na aldeia e vai embora quando é visto. Indígenas que vão para Nova Dimensão são parados na estrada, ou na cidade, por pessoas armadas que lhes fazem ameaças. A organização criminosa está intimidando os Wari para que abandonem sua aldeia e deixem o livre acesso à Terra indígena.

As ameaças aumentaram após o dia 08 de junho de 2023, quando a tentativa de invasão pela Linha 24 foi frustrada pela chegada da fiscalização. Mal amanheceu o dia, que uns 60 invasores atravessaram o pátio da aldeia Linha 24 na divisa da terra indígena. Os Wari, abismados, chamaram a Funai que, sem demora, veio com a Polícia Federal. Quando as viaturas chegarem perto da aldeia, os colonos estavam retornando, fugindo pelos pastos. Mais uma vez, a informação vazou. O “cabeça” estava por perto num carro equipado de rádio. Com a justificativa de um efetivo reduzido, a Federal não prendeu ninguém.


No instagram da Txai Surui, no dia da invasão (08/06/23):

Os parentes lá do Igarapé Lage, Aldeia Linha 24, estão pedindo socorro.

 

 

 

 

 

 

 

 

Através do vazamento de mensagens Whatsapp que circulavam no grupo de invasores, os Wari foram alertados do dia da invasão, mas achavam que era fake. Além dos áudios, o cabeça partilhou um mapa explícito com o plano de lotear uma área de 20 km x 10 km (20.000 hectares), entre as Linhas 25 e 20. No mapa, a parte direita não quadrilhada que vai da Linha 25 a 29, de 20 km x 10 km, já foi loteada. Obs: ler 25 em vez de 26 no mapa abaixo.

Mapa do cabeça da invasão frustrada pela linha 24

Na divisa da Linha 28 com a TI Lage, uma casa de fiscalização foi construída em torno de 2011 com recursos da compensação da Hidrelétrica do Jirau. Em agosto de 2023, esse casarão que nunca foi inaugurado, acabou sendo demolido pela FUNAI devido o risco de


abalamento. O momento foi inoportuno, pois para os invasores, acabou sendo mais um “sinal verde”.

Casa de fiscalização na divisa da terra indígena com a Linha 28, destruída pela FUNAI em 08/2023 Foto: ano de 2013

  

Manifestações dos indígenas

A partir do primeiro semestre de 2022, os indígenas não ficaram parados. Redigiram documentos e viajaram a Brasília, denunciando a invasão para as autoridades competentes.

Em 30 de maio de 2022, uma Audiência Pública na Câmara Municipal precisava da presença da Dra. Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha do MPF-Guajará-Mirim e do sr. Euro, Coordenador Regional da FUNAI, entretanto, ambos não compareceram.

Alguns dias depois, os Wari fecharam a sede da FUNAI de Guajará-Mirim, exigindo a desintrusão da T.I. Lage e a saída do Coordenador Regional da FUNAI, sr. Euro. O Coordenador foi exonerado, mas a desintrusão da TI Lage não ocorreu.


O então-Coordenador da Organização Oro Wari,

frente à sede da FUNAI, falando para uma centena de Wari.


 

Diante do descaso das autoridades, a Organização Oro Wari enviou um ofício para Dra. Eliana Peres Torelly de Carvalho, Procuradora da Câmara do MPF em Brasília que, em seguida, agendou uma reunião on-line com as lideranças. Nessa reunião, Dra. Eliana surpreendeu a todos ao comunicar a nomeação da Dra. Gisele Bleggi para a 6ª Câmara em Rondônia.

 

Petições da antropóloga Vilaça

No início do mês 06/2022, a antropóloga A. Vilaça endereçou ao MPF-RO duas petições muito bem fundamentadas, entretanto, as mesmas ficaram “de molho” durante um ano! Em abril de 2023, Vilaça solicitou informações sobre o andamento do processo. Semanas depois, a Procuradora Dra. Gisele Bleggi dará satisfação justificando a demora “em razão da alta demanda de trabalho imposta a esse gabinete”.

A uma semana de sua remoção, a Procuradora participou da Operação Oro Oro de 23/08/2023, que apresentou como o combate aos crimes de comercialização ilegal de madeira. E o relato divulgado pela assessoria da Polícia Federal, no site gov.br, cita o desmatamento de 670 hectares, explicita o roubo escancarado de madeira, entretanto, omite a grilagem e o loteamento da terra indígena! A referência à grilagem será feita na Operação de 21 /03/2024, com o Procurador Dr. Leonardo no comando da Câmara do MPF-RO.

 

Um conflito armado entre Wari e colonos não está descartado

A descoberta recente do esbulho da aldeia Koyai (ver acima), que é uma “terra sagrada”, pode ser “a gota d´água” que leve os Wari do sul da terra indígena a enfrentar os invasores. Um conflito armado seria desastroso para ambas as partes.

 

Concluindo:

- Considerando a invasão inédita da TI Lage que perdura mais de 2 anos, os crimes de esbulho de terra indígena e a comercialização ilegal de madeira;

-   Considerando o desmatamento que nunca parou e que chega a perto de 1.000 hectares, com a perda de castanhais, igarapés, aldeias tradicionais e demais lugares sagrados;

- Considerando as ameaças dos invasores e o clima de medo dos indígenas das Linhas 24 e 26 que deixam de realizarem suas atividades rotineiras e culturais;

-  Considerando a possibilidade de um conflito armado no sul da terra indígena e do assassinato de uma liderança das aldeias próximas a Nova Dimensão, curral da organização criminosa;

- Considerando o vazamento de informações antes de cada fiscalização;

- Considerando a falta de investigação e prisão dos mandantes, inclusive do “cabeça” na frente da invasão pela Linha 24 (os dados dos mesmos foram entregues para a Funai e PF, em junho de 2023);

 

Vimos pedir respeitosamente:

1.    Que haja, de imediato, uma nova Operação Policial com as Forças Armadas que permaneça pelo menos 03 dias no local da invasão;

2.    Que haja uma fiscalização policial permanente na divisa da terra indígena com a


Linha 28, que, até o momento, é a única porta de entrada e saída dos invasores.

3.    Que uma equipe policial “arrastão”, com uma eventual colaboração dos indígenas, percorra todas as trilhas, partindo do sul da área, em direção ao norte;

4.    Que todos os invasores respondam por seus crimes, a começar pelos mandantes, pois os raros colonos pegos em flagrante não podem nem devem servir de bodes expiatórios.

5.    Que a segurança dos indígenas do Distrito de Nova Dimensão seja assegurada;

6.    Que o Serviço de Inteligência da Polícia Federal priorize a investigação para descobrir os servidores que vazam a informação, bem como os mandantes e os eventuais políticos que apoiam a invasão, e que todos respondam na Justiça;

7.    Que o Dr. Leonardo Trevizani Caberlon, Procurador pela 6ª Câmara do MPF em RO, se aproxime das lideranças e aldeias de Guajará-Mirim, comunicando os resultados das operações e investigações, buscando juntos soluções para prevenir novas invasões. É de suma importância o MPF-RO reconquistar a confiança dos indígenas de Guajará-Mirim.


 

 

Fonte:  

Organazição Oro Wari de Guajará-Mirim

COMVIDA - Comitê de Defesa da Vida Amazônica na bacia do Madeira;

IMV -  Instituto Madeira Vivo;

GEPE-Front – Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão e Territórios na Fronteira Amazônica;

Coletivo Mura de Porto Velho;



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