Com tempo sobrando em face da aposentadoria justa e merecida, venho observando mais a
natureza e o entorno. Assim sendo, hoje, bem cedo, deparei-me com a frenética algazarra dos periquitos que vão desrespeitando o sono alheio já a partir das seis horas da matina. Frenesi que dá gosto de assistir! E chego a intuir que aquele barulho todo advém da certeza deles de que aqui no lugar onde moramos ninguém lhes fará mal algum...
Formam
um bando de ocupados em cima do apuizeiro invasor, nascido sem ser
plantado por mãos humanas e que viceja ao lado de um açaizeiro e de um
bougainville. Este último tem nome dado em homenagem ao francês Louis
Antoine Bougainville, que o descobriu em nosso país (há quem afirme que a
descoberta deu-se no México) por volta de 1790 e o levou para a Europa,
onde ele se tornou extraordinariamente conhecido, quase um pop star,
ficando reverenciado no mundo todo com seus matizes que comovem e
extasiam...
O
apuí pode ser a dualidade da morte e da vida, posto que nasce do alto
como um quase cipó que é, e vai, através do seu abraço macabro,
recolhendo a vida de que precisa para vicejar, ainda que para isso a sua
hospedeira, com o tempo, venha a sucumbir.
Braço Forte é o significado que, na língua tupi-guarani, tem o nome de apuí, indivíduo genuinamente amazônico. Mas há quem diga que apuí pode querer dizer “fruta pequena”, que alimenta humanos e, entre outros, pássaros, os periquitos irrequietos e escandalosos.
Braço Forte é o significado que, na língua tupi-guarani, tem o nome de apuí, indivíduo genuinamente amazônico. Mas há quem diga que apuí pode querer dizer “fruta pequena”, que alimenta humanos e, entre outros, pássaros, os periquitos irrequietos e escandalosos.
Com
o abraço que asfixia devagar a árvore escolhida, é considerado um
“polvo” vegetal, haja vista a quantidade de tentáculos que possui e que
distribui por toda a extensão daquela ungida perversamente com ânimo
fraticida.
É abraço que anuncia uma morte, devagar, devagarinho, sem gritos e sem murmúrios!
Muita
gente vivente neste planeta verde, a Amazônia, desconhece; mas até
suco, de gosto e cheiro discutíveis, se faz por conta do aproveitamento
do fruto marrom do apuí, de casca dura e interior cheio de pequenos
caroços. Uns se valem da sua casca e folhas para fazer calmante.
Aprendi
que o apuizeiro não é considerado um parasita, porque na verdade
necessita apenas de um apoio. Mas é um hóspede que mata o anfitrião. Uma
questão, digamos, de sobrevivência!
Porém,
desejo falar daquela algazarra que tenho observado nesta primavera,
praticada pelos periquitos que, sem pedir licença, avançam sobre os
frutos do apuizeiro.
Pequenos
pássaros, bonitos, verde a sua plumagem com tons amarelados; vivem em
grupo, formando casais - cuja fidelidade, dizem, os acompanha por toda a
vida. Galanteadores, são vaidosos e carinhosos entre si.
Aprendi
que os ninhos são edificados nos buracos das árvores, notadamente. Se
assustados, ante os perigos eminentes, põem a cabeça para fora
inspecionando os arredores e, por prudência, vão saindo de mansinho, sem
emitir sons, um após o outro. Defendem-se ficando paralisados, em
silêncio, ante o estado de risco, confundindo-se com o meio ambiente,
muitas vezes pendurados de ponta-cabeça, num galho, até que a ameaça
tenha passado.
Vivem
em média 20 anos. A fêmea coloca quatro ovos brancos, até que, 26 dias
depois, os rebentos aparecem, deixando o ninho cinco semanas a partir do
nascimento dos filhotes.
Em
bando, cedo, bem cedo, entoam seus cânticos de agradecimentos ao
Criador pela descoberta de comida. Dizem que, ao contrário do que
acontece entre os humanos, os machos são mais faladores.
Assim,
e concluindo, vejo que ninguém é totalmente mau, nem exponencialmente
bom, colocada a minha observação relativamente ao exemplo do apuizeiro,
que durante a sua vida abraça funebremente, tragicamente, tetricamente,
sinistramente, lugubremente, quem lhe dá guarida e moradia, o que é
desleal, perverso e sombrio; todavia, na outra ponta, com os seus frutos
alimenta diversas aves, bichos irracionais e racionais, inclusive nós,
os controversos humanos, e até os esfomeados periquitos...
* PAULO
CORDEIRO SALDANHA: Nasceu em 1946, em Guajará–Mirim, Rondônia. É
Advogado e hoteleiro. Foi Presidente de Bancos Estaduais de Rondônia e
Roraima, Diretor do Banco da Amazônia e Diretor–Geral do Tribunal
Regional do Trabalho da 14º Região. Cronista e Romancista. É Membro
Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da
Academia de Letras de Rondônia-ACLER.
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