O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com três ações
civis públicas contra a União e a Fundação Nacional do índio (Funai)
solicitando, em caráter de urgência, a retomada dos processos de demarcação dos
territórios tradicionais dos povos indígenas de Rondônia Kujubim e Djeorimitxi
(Jabuti), Migueleno e Puruborá.
Nas ações, o MPF solicita à Justiça Federal que determine
que a Funai cumpra os prazos do Decreto 1.775, de janeiro de 1996, designando
um grupo técnico especializado para realizar estudos complementares de natureza
etno-histórica, sociológica, jurídica, ambiental e levantamento fundiário,
necessários à delimitação de terras indígenas para a conclusão do Relatório
Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) em até 60 dias, e a
conclusão dos processos de demarcação dos territórios tradicionais no prazo
máximo de 24 meses. O MPF requer também a condenação da Funai e da União para
que reparem os danos morais coletivos sofridos pelas comunidades indígenas
nesses anos todos de espera por meio da constituição de um fundo de
desenvolvimento comunitário para os membros de cada etnia.
O MPF argumenta na ação que no contexto de pandemia causada
pela covid-19, os povos indígenas sem território demarcado têm sua situação de
vulnerabilidade agravada pela precariedade no atendimento de saúde. Alem disso,
o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) tem alterado posicionamento para
somente atender indígenas com território demarcado, o que já motivou a
expedição de recomendação por parte do MPF anteriormente. Fora que a falta de
território demarcado inviabiliza a adoção de medidas de isolamento social, como
o controle de fluxo de pessoas, necessário para mitigar o contágio pelo novo coronavírus.
Etnia Puruborá - O povo Puruborá é originário de região
próxima ao Rio Manoel Correia, tributário do Rio São Miguel, hoje localizado no
município de Seringueiras (RO), onde seus antepassados foram encontrados pelo
Marechal Cândido Rondon, em 1912. Segundo os registros verificados, os índios
Puruborá foram vítimas de três expulsões: a primeira ocorreu entre as décadas
de 1910 e 1940, quando oficiais e dirigentes do governo brasileiro estimularam
a invasão de suas terras tradicionais por companhia de exploração de borracha e
dos vários seringueiros que chegaram ao local. A segunda expulsão ocorreu em
1982, quando houve a delimitação da Reserva Biológica do Guaporé, que abrangeu
área do antigo seringal de Limoeiro, onde habitavam vários Puruborá, e a
terceira expulsão se deu com o processo de demarcação da Terra Indígena Uru Eu
Wau Wau, ocasião que a própria Funai desconsiderou a identidade indígena
daquele povo, em 1994.
O processo administrativo de demarcação do território
tradicional do Povo Puruborá está pendente de conclusão e foi iniciado há mais
de 18 anos pela autarquia indígena, já tendo sido constituído diversos grupos
técnicos, sem que haja a finalização do RCID daquele território e os atos
subsequentes.
Etnia Kujubim e Djeorimitxi (Jabuti) - Atualmente, a maioria
dos membros dessas etnias vive em Guajará-Mirim, na Terra Indígena Rio Guaporé,
antigo aldeamento Ricardo Franco, para onde foram obrigatoriamente transferidos
pelo então Serviço de Proteção ao Índio, nas décadas de 1930 e 1940. Outros
indígenas Kujubim estão dispersos pelos municípios de Seringueiras, Costa
Marques e arredores.
A reivindicação fundiária do povo Kujubim e Jabuti avançou
somente até a apresentação de versão preliminar (parcial) do Relatório
Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Rio
Cautário, em 2016. A reivindicação territorial desses povos indígenas está
pendente de conclusão há quase 12 anos.
Etnia Migueleno - De acordo com os registros históricos
apurados pelo MPF, há cerca de 100 anos o povo Migueleno ocupava toda a região
do baixo e médio Rio São Miguel, hoje localizado no município de São Francisco
do Guaporé. Após serem arregimentados para trabalhar na coleta da seringa na
região, o Serviço de Proteção ao Índio, pautado pela teoria da aculturação,
ainda em 1928, considerou os Migueleno como grupo extinto, alegando sua
integração à sociedade nacional.
Desde então, a etnia foi quase totalmente dizimada pela
invasão de seus territórios e pelas doenças epidêmicas decorrentes do contato
com os exploradores, ao mesmo tempo em que foram perdendo espaço territorial
para os colonizadores. Em resumo, os Migueleno foram deslocados pelo governo
brasileiro para um assentamento à margem direita do Rio São Miguel, hoje
conhecido como Porto Murtinho, sendo classificados como grupo de colonos
assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Parte significativa da reivindicação fundiária do território
tradicional do Povo Migueleno está inserida dentro da Reserva Biológica do
Guaporé. Embora a etnia tenha reivindicado as primeiras providências da Funai
há mais de 15 anos, até o momento, apenas foi concluída a etapa de qualificação
da pretensão, sem sequer ter sido instaurado o procedimento administrativo de
identificação e delimitação no âmbito da autarquia indígena.
Nas ações, a procuradora da República Thais Araujo Ruiz
Franco destaca que "os registros apontam que todos esses povos indígenas
mantinham a ocupação imemorial de seus territórios tradicionais, as quais foram
interrompidas de forma involuntária, sendo que os indígenas vivenciaram
violências diversas, no momento da expropriação e posteriormente passaram a
transitar na região como foragidos, escondendo a identidade e a língua como uma
forma de proteção".
Os números das ações civis públicas são:
Puruborá: 1002281-59.2020.4.01.4101
Migueleno: 1002280-74.2020.4.01.4101
Kujubim e Djeorimitxi (Jabuti): 1002289-36.2020.4.01.4101
Fonte: Ascom MPF/RO