Saimon Santos |
Lembro-me com uma irresistível alegria e saudoso afago, as palavras adoçadas pelo tempero da experiência e da sabedoria, da mãe dos meus amigos goianos, numa tarde embaixo da sombra de uma mangueira, quando conversávamos amenidades, enquanto observávamos os saguis nos buritizeiros, do outro lado da represa coberta pelo lodo esverdeado, onde as jaçanãs passeavam em busca de alimento.
Era um fim de tarde, dessas quentes e secas de agosto, mas embaixo da mangueira onde estávamos, reinava o refrigério da frondosa sombra e das palavras da mãe dos meus amigos. A família composta de sete pessoas deixou o cerrado goiano no início da década de 1980 e se estabeleceu nestes confins, na época ainda esverdeado pelas copas das imensas matas do Berço do Madeira.
Vieram num caminhão pau-de-arara, alimentados pelos mesmos sonhos, que embalaram tantos outros imigrantes que cortavam o Brasil alojados nas carrocerias destes caminhões empoeirados e sem conforto, duro e seco como a necessidade de partir, e a vontade de ficar.
A mãe dos meus amigos, lembrava com doçura, da viagem e do pote de pequi em conserva que trazia no embornal. Ela falava com grandeza de coração e sem nostalgia descabida das inúmeras e adocicadas frutas do cerrado e do canto inconfundível da siriema no pé da serra, aboiando a lua para abraçar a noite que surgia lá de longe, muito longe, no estradão.
A mãe dos meus amigos recordava, também sem nostalgia, das primeiras impressões que a Amazônia lhe causou. A paisagem aparentemente amarelada do cerrado, constratavam com o cordel esverdeado das altaneiras árvores das florestas do Berço do Madeira. Aqui não se ouvia o canto da siriema, mas os “três cocos”, repetitivos da saracura no brejo, avisando a noite que o dia já findava.
A mãe dos meus amigos tem uma voz que acalenta, o timbre suave e sonoro, típico das estradas de Goiás, mesclado com as particularidades do timbre altissonante das florestas. Tem a fleuma dos beatos e olhar tristonho de quem deixou a terra natal há muito tempo. Inscrita em suas brilhantes retinas, a lapidar frase, cortante como a saudade, “migrar é um parto emocional”.
Pois bem, a mãe dos meus amigos, enternecida, disse que aprendera ainda na meninice com seus pais, em um dia quente e seco de agosto, à sombra de um pequizeiro, onde conversavam amenidades, ouvindo o canto da siriema, que o gesto humano mais nobre que existe é jogar água para alguém lavar as mãos. Toda vez que fazemos esse gesto, renasce simbolicamente em nós a imagem de Jesus Cristo lavando humildemente os pés de seus discípulos.
Autor: Simon O. dos Santos – Escritor.
EM BREVE INAUGURAÇÃO!
NOVA MAMORÉ